A Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco nos conduz – ou pelo menos deveria nos conduzir – a um momento de profunda reflexão sobre o que estamos fazendo com o planeta Terra, um belíssimo jardim plantado por Deus e confiado ao ser humano, que deveria assumir a nobre tarefa de preservar o grandioso presente recebido das mãos misericordiosas do Criador.
O Papa Francisco ressalta o exemplo de São Francisco de Assis por ser um modelo de extraordinária beleza e motivação, que inspira e guia todos os que desejam firmemente viver com alegria e autenticidade uma ecologia integral, incluindo cuidado com a criação de Deus e amor incondicional aos mais pobres e excluídos que vivem nas periferias existenciais.
São Francisco de Assis compreendeu e viveu – na simplicidade originada de uma profunda fé em Deus, própria do Cristianismo – a harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo, deixando transparecer cristalinamente a relação inseparável entre preocupação ecológica, justiça para com os pobres, empenho social e paz interior.
O Papa acentua que a visão de São Francisco de Assis a respeito do cuidado ultrapassa uma visão meramente intelectual ou econômica da natureza. Inclusive, nos faz repensar sobre o uso corrente do termo “recursos naturais”, típico do sistema capitalista predatório que vê a natureza como matéria-prima a ser explorada para atender finalidades exclusivamente econômicas, centradas na maximização extrema dos lucros, que beneficiam uma pequena parcela da sociedade, enquanto milhares de “irmãos e irmãs” excluídos e excluídas estão à margem do caminho das periferias existenciais, em condições desumanas.
O amor de São Francisco de Assis não é romantismo irracional – acentua o Papa Francisco – mas abertura para a admiração e o encanto por tudo o que Deus criou, viu e avaliou como “Bom”, conforme a narrativa do primeiro capítulo do Livro do Gênesis.
Ao ler a Encíclica, fica evidente que estamos perdendo a capacidade de admiração, de encantamento, de contemplação, pois a poluição das grandes indústrias ofuscam a beleza extraordinária da obra de Deus. As praias, as montanhas, os rios, as cachoeiras, tudo passa a ser visto como potencial lugar de geração de lucros. Estimula-se assim atitudes de consumidor e de explorador dos “recursos naturais” – já não são mais dons maravilhosos criados pelas mãos do Divino Criador para serem fruídos e preservados pelo ser humano, criado à sua imagem e semelhança; por isso mesmo, dotado de razão e vontade, e em tese, com condições de refletir e tomar decisões coerentes com o projeto de Deus.
As atitudes de São Francisco de Assis, ressaltadas pelo Papa na Laudato Si’, contêm elementos importantes relacionados à Teologia Fundamental, especificamente no tocante à Revelação Natural. Ele evidencia como é possível o ser humano conhecer a Deus a partir das coisas criadas, sem confundí-Lo com as criaturas.
Lê-se no Livro da Sabedoria (13,5) que “na grandeza e na beleza das criaturas, contempla-se, por analogia, o seu Criador” e na Carta de São Paulo aos Romanos (1,20) que “o que é invisível n’Ele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras”.
Esse entendimento também é compartilhado por São Francisco ao nos propor o reconhecimento da natureza como um livro esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua beleza e bondade.
Nessa perspectiva, o universo não é visto como uma máquina a ser controlada pelo poder da ciência e da tecnologia ou um livro escrito em caracteres matemáticos, como reforçado pelos filósofos modernos, desejosos de extrair da natureza os seus segredos com a razão e a experimentação.
Do teológico e do macro das questões sociais, políticas e econômicas, podemos vir ao nosso específico do cotidiano:
O que estamos fazendo com o lixo que produzimos assustadoramente em nossos lares?
Qual destinação damos aos resíduos constantemente gerados em nossas casas?
Como está a economia do bem precioso que é a água em época de crise hídrica (e não deveríamos pensar somente no momento da crise)?
Por que consumimos tanto e acompanhamos de forma extraordinária a cartilha da obsolescência programada, pela qual a cada seis meses devemos categoricamente comprar novos aparelhos celulares simplesmente para não ficarmos ultrapassados?
Por que os veículos automotores precisam ser cada vez maiores, consumindo mais “recursos naturais”, ocupando mais espaços urbanos, inviabilizando a mobilidade urbana e transportando somente uma pessoa?
Mesmo que não tenhamos todas as respostas no momento, ou as respostas implicarem mudanças um tanto quanto difíceis, vale finalizar com as palavras do Santo Padre:
“O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum.”
Vitor Nunes Rosa
Professor universitário. Mestre em Educação
Especialista em filosofia. Especialista em administração escolar
Licenciado em Filosofia. Formado em Teologia
André Luiz de Góes Nunes
Advogado. Especialista em Direito do Trabalho
Acadêmico de Teologia
Coordenador do curso de teologia da Escola de Formação Fé e Vida
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