Ano Santo Extraordinário da Misericórdia: redescobrindo o valor das boas obras
Há alguns meses, eu estava participando de um almoço em família e, como costuma acontecer, o assunto "religião" entrou em pauta. Uma de minhas primas, uma médica protestante, soltou o seguinte comentário: "Eu tenho um paciente espírita. Fico impressionada com a dedicação daquele homem às obras de caridade! Nunca vi uma religião que pratique tanta caridade quanto o espiritismo. Dedicam muito tempo e dinheiro a isso, mais do que qualquer evangélico e do que qualquer católico".
Aquele comentário foi como uma flecha no meu coração! Afinal de contas, ela estava julgando o espiritismo como a religião da caridade partindo da experiência que ela teve com um espírita especificamente; então, por um raciocínio lógico, posso concluir que julgou a pouca caridade dos católicos e dos protestantes a partir da experiência de vida que ela tem com os fiéis cristãos, inclusive comigo mesmo.
Lembrei-me daquelas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Assim, brilhe vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus" (Mt5,16). Onde estão minhas boas obras? Onde estão as obras de caridade de todos nós, católicos?
Esta Santa Igreja à qual temos a graça de pertencer sempre foi, desde o princípio, a religião da caridade, das boas obras. São Tiago dizia: "Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras" (Tg 2, 18). E por que agora estamos deixando de ser reconhecidos como pessoas de obras? Não é um absurdo que outras religiões, surgidas de filosofias humanas, pareçam mais dedicadas à caridade do que a nossa, fundada por Deus, Aquele que é Amor (1Jo 4,8)?
Se olharmos a vida de nossos Santos, de como se doaram radicalmente à caridade, o que nos resta, senão "corar de vergonha" (Br 1,15)? Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce dos Pobres, São Francisco de Assis, São Camilo de Lellis, São João Bosco, São Vicente de Paulo, Santo Antônio de Pádua e inúmeros outros formam uma verdadeira "nuvem de testemunhas" (Hb 12,1) da caridade católica. Se hoje há quem não consiga enxergar na religião católica o esplendor da caridade é porque nós – católicos – não temos sido santos.
Essas boas obras de que temos falado são tradicionalmente chamadas de "obras de misericórdia". São quatorze, sendo sete corporais e sete espirituais. As obras de misericórdia corporais são: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. As obras de misericórdia espirituais, por sua vez, são: dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo, rogar a Deus por vivos e defuntos.
O Ano Santo da Misericórdia é "uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina. A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos" (Papa Francisco, Misericordiae vultus, n.15).
Não estamos, porém, numa gincana entre religiões ou numa guerrinha infantil em que quem tiver mais obras, vence! Há uma diferença qualitativa entre as obras que fazemos nós e as obras que fazem os que não são batizados. É a seguinte: no batismo, recebemos uma vida sobrenatural na Graça que pode-ríamos chamar, seguindo um antigo autor espiritual, de "a vida de Jesus em nós". Assim, tudo o que de bom fazemos, nós o fazemos em virtude desta vida divina, com a força e a unção do Espírito Santo. Cada pequena boa obra de um cristão, cada gesto de amor – e até cada sofrimento – tem um toque de eternidade porque, embora sejamos humanos, Aquele que misteriosamente vive em nós, é Divino. Aquele mesmo Jesus que passou pelas aldeias e povoados "fazendo o bem" (At 10,38), continua a fazê-lo ainda hoje, através de nós, cristãos. Não somos apenas discípulos de Jesus, seus admiradores ou, quando muito, seus amigos. Somos unidos a Ele formando, juntos, um grande corpo espiritual cuja cabeça é Cristo e cujos membros somos nós (Rm 12,5). Uma relação vital, profunda e maravilhosa.
Por isso, não podemos fazer as obras pelas mesmas causas que os outros. Há quem pratique a caridade por acreditar que vai assim purificar sua alma gradativamente. Outros procuram anestesiar suas consciências, livrando-se talvez de uma parcela da culpa pelas injustiças do mundo. Outros ainda ajudam os pobres para se sentirem felizes, quase como uma terapia (de fato, a filantropia é recomendada até pelos psicólogos). Existem aqueles que fazem o bem para que o bem volte para eles. Nós fazemos por outros dois motivos muito mais fortes e grandes. Primeiro, como já dito, as nossas obras de misericórdia são a manifestação exterior de nossa vida interior; nosso modo de viver reflete a nossa fé. Depois, pela nossa fé, enxergamos o próprio Cristo naqueles que hoje sofrem: os pobres, os doentes, os aflitos, os encarcerados, os necessitados. "Perguntar-lhe-ão os justos: 'Senhor, quando foi que Te vimos com fome e Te demos de comer, com sede e Te demos de beber? Quando foi que Te vimos peregrino e Te acolhemos, nu e Te vestimos? Quando foi que Te vimos enfermo ou na prisão e Te fomos visitar?' Responderá o Rei: 'Em verdade Eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim mesmo que o fizestes'" (Mt 25, 37-40).
Advertiu-nos o Senhor: "Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanecer em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5). De nada adiantaria agirmos bem aos olhos do mundo, se não estivéssemos unidos a Cristo. Neste Ano da Misericórdia, portanto, somos chamados a colocar nosso coração de novo em Deus. O Papa Francisco nos pede para frequentarmos com devoção o Sacramento da Confissão, "porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia. Será, para cada penitente, fonte de verdadeira paz interior" (Misericordiae vultus, 17). E ainda teremos à disposição as diversas Portas Santas. Atravessando-as arrependidos, tendo confessado nossos pecados, rezando pelo Santo Padre e recebendo a Sagrada Comunhão, receberemos indulgências plenárias em favor dos vivos e mortos.
Que neste Ano Santo nos acompanhe Maria Santíssima, nossa boa e querida Mãe. Ela nos ensine a amar Jesus e a sermos dóceis ao Espírito Santo que nos impele a praticar as obras de misericórdia. E que todas as pessoas, conseguindo ver a imagem do amor de Cristo em nossas vidas, convertam-se e creiam no Evangelho. Amém.
Ricardo Petroni Smiderle Passamani
Seminarista e Estudante do Primeiro Ano
de Teologia do Seminário Arquidiocesano
Nossa Senhora da Penha de Vitória-ES
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